terça-feira, 6 de maio de 2008

Eugénio de Andrade


"Poeta da intensidade" (como lhe chamou Vergílio Ferreira) ou "o grande poeta do amor da poesia portuguesa do século XX" (segundo afirma António José Saraiva), Eugénio de Andrade possui uma poesia aberta a um mundo solar, límpido e puro. Nela há transparência, efemeridade, sinceridade. Ama o efémero da vida e do amor pois tudo é fugidio. Poeta contemporâneo, de um obstinado rigor, da luminosidade, da intensidade, do corpo e do amor, Eugénio de Andrade, sabe escolher as palavras e imagens que transmitem o sentido do maravilhoso, da esperança e da plenitude. A sua poesia segrega sentimentos, revela o desassossego do espírito e transporta ao mistério da vida através de palavras que exprimem o alvoroço e a inquietação bem como a exteriorização de nostalgias e revelação de memórias. A arte poética de Eugénio de Andrade faz sentir grande parte do seu perfeito conseguimento numa certa e estrita maneira de escolher as palavras e de as constelar. As Mãos e os Frutos é provavelmente o seu livro mais conhecido e apreciado, porque além de ter sido um dos primeiros, consagrou-o imediatamente pela beleza das imagens e pela arte de metaforizar e de aliar os elementos da natureza aos sentimentos e aos actos da vida.

Perfil literário


Para Eugénio de Andrade não há culpa. Ajusta-se à natureza e usa um olhar puro perante a realidade do mundo, pedindo apenas o gozo da sua beleza efémera. É dos poetas contemporâneos mais importantes porque é lírico, original na expressão poética e, usa a sensualidade discreta, pura e franca. Na sua poesia usa muitas metáforas, é transparente e claro, e nela tudo se concentra de modo emotivo e contido, mas sem confissões. Esta poesia ultrapassa um sentimento de frustração porque celebra momentos de plenitude em que tudo se transforma numa elegia (composição poética consagrada ao luto e à tristeza) sem carácter sentimental. Eugénio é o “poeta da revelação momentânea”, objecto de reflexão numa consciência sem barreiras. O poeta transforma tudo de modo pessoal, com sensibilidade e consciência da sua originalidade. Não seguiu movimentos ou grupos literários tentando, nos anos 40, a modernização e aprofundamento da linguagem. Segundo Ramos Rosa, Eugénio de Andrade representa a fidelidade ao espaço instantâneo, e sabe escolher as palavras e imagens para transmitir, com musicalidade, o sentido do maravilhoso, da esperança e, da plenitude.

A Metamorfose dos Quatro Elementos Míticos


Para Eugénio de Andrade, os quatro elementos da Natureza assumem uma enorme importância. Esses elementos, são respectivamente o fogo, a água, o ar e a terra. Além disso, importa também tudo aquilo que invoca essa natureza, como por exemplo: o vento, a luz, as fontes, o mar, os animais, os frutos, as flores, os rumores e o sal. O fogo é símbolo do rito solar e da constante renovação da natureza. O fogo é amor e o corpo vive pela combustão constante que nele ocorre. No entanto fogo destrói e purifica, aniquilando e possibilitando a criação de um novo mundo ou de uma nova terra. A água remete para a fecundidade, para a vida natural e cristalina, para a pureza da criação e ainda para a procura incessante da harmonia do futuro. O constante movimento da água devolve-nos às origens, ao mistério do fluir da existência, à efemeridade. A água relaciona-se com a figura materna, pura e acolhedora, que transmite segurança. O ar, e tudo o que voa, são símbolo da liberdade original, pura e inocente. No entanto o ar é efémero, isto é, passageiro, tal como a vida, o amor, como tudo aquilo que é intenso. A terra está predominantemente relacionada com a aprendizagem da vida. A terra é símbolo da fertilidade e do ventre materno, sendo assim lugar de segurança e de criação perfeita. Terra e mãe são sinónimos, uma vez que a mãe e o falar materno trazem ao eu poético a evocação do paraíso da infância e a intimidade com a terra. Mas a terra é também símbolo de fecundidade, pois o seu interior é constituído por águas. Aí o corpo descobre a razão da vida e encontra o lugar do amor. O bosque, as flores, as árvores, os frutos são geralmente, metáfora das partes do corpo tocadas pela relação amorosa. Estes elementos míticos tradicionais estão sempre presentes na poesia de Eugénio de Andrade. Exprimem a procura incessante da pureza essencial. Permitem exaltar o amor e exprimir musicalmente a beleza sensual, mas, também, reconciliação e a inteireza do Homem. Os elementos míticos assumem um papel fulcral para reencontrar o outro corpo, os outros seres e, até mesmo, a própria solidão. A Natureza e o corpo humano ligam-se num universo transparente e lúcido transformado por uma percepção e uma vivência sensorial. É a natureza com toda a sua força que permite ao Homem viver plenamente. E é precisamente nesta relação que o Homem estabelece com a Natureza, que o Poeta busca a originalidade. Assim, os elementos míticos transformam-se em metáforas transfiguradas, ou seja, metamorfoses.

Espera


Horas, horas sem fim,
pesadas, fundas,
esperarei por ti
até que todas as coisas sejam mudas.

Até que uma pedra irrompa
e floresça.
Até que um pássaro me saia da garganta
e no silêncio desapareça.

Eugénio de Andrade in «As mãos e os frutos»

O Anjo de Pedra


Tinha os olhos abertos mas não via.
O corpo todo era a saudade
de alguém que o modelara e não sabia
que o tocara de maio e claridade.

Parava o seu gesto onde pára tudo:
no limiar das coisas por saber
- e ficara surdo e cego e mudo
para que tudo fosse grave no seu ser.

Eugénio de Andrade in «As Mãos e os Frutos»
(MCA-3rd_rgiffard_5_Fallen%20Angel)

Pequena Elegia chamada Domingo


O domingo era uma coisa pequena.
Uma coisa tão pequena
que cabia inteirinha nos teus olhos.
Nas tuas mãos
estavam os montes e os rios
e as nuvens.
Mas as rosas,
as rosas estavam na tua boca.

Hoje os montes e os rios
e as nuvens
não vêm nas tuas mãos.
(Se ao menos elas viessem
sem montes e sem nuvens
e sem rios ...)
O domingo está apenas nos meus olhos
e é grande.
Os montes estão distantes
e ocultamos rios e as nuvens
e as rosas.

Eugénio de Andrade in «As Mãos e os Frutos»